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Iasmin Macedo - Coordenadora do Projeto Marsupiais

Gambás são nossos aliados contra a febre maculosa: podem comer 4000 carrapatos em uma semana!

Dentre as espécies de marsupiais brasileiros temos o gambá (Didelphis sp.), às vezes menosprezado, mas muito importante. É muito importante que as pessoas não matem os gambás. Alguns os confundem com o Rato de esgoto (Rattus rattus), que é exótico (invasora no Brasil) e causam problemas de saúde pública, e muitos consideram esses ratos como pragas, exterminando-os. Os gambás também são mortos devido a essa falta de informação, causando impacto à fauna nativa brasileira.


Cuidados e Reabilitação de filhote de gambá, Cetas-Ibama,Serra ES

Foto: Cuidados e Reabilitação de filhote de gambá, Cetas-Ibama,Serra ES


Existem no Brasil quatro espécies diferentes de Gambás, que são: Gambá-de-orelha-preta (D. aurita), Gambá-de-orelha-branca (D. albiventris), Gambá-comum (D. marsupialis) e Gambá-amazônico (D. imperfecta). Os Didelphis sp. são conhecidos de diversas formas no Brasil, e cada nome possui uma história que explica o seu significado. Gambá por exemplo, deriva da língua Tupi-guarani, "gã'ba" ou “guaambá”, que significa “mama oca” ou “seio oco”, referindo-se ao marsúpio, bolsa onde carregam os filhotes no período de desenvolvimento. Outros nomes populares do gambá no Brasil: Mucura, Cassaco, Timbú, Sarigué, Saruê, Raposa, Taibu, Micurê, entre outros.


Não confunda Gambá e Cangambá, clique aqui.

Fotos: Cuidados e Reabilitação de filhote de gambá, Cetas-Ibama,Serra ES


O Período Reprodutivo dos gambás começa em meados de julho e posteriormente em Novembro. Esses dados podem variar em alguns indivíduos, variando também pelas condições climáticas. Sendo assim, podemos encontrar mamães gambás com seus filhotes desde julho, até os meses de março/abril. Elas costumam passar pelas casas em busca de alimento.


Carrapato e doenças!


Os carrapatos proliferam nas épocas mais quentes e úmidas do ano (setembro até abril). Quem anda nas matas nessa época sofre com eles. No entanto, podem permanecer inativos no ambiente por até 200 dias em períodos secos e frios. Sua taxa reprodutiva é alta, sendo que uma única fêmea pode colocar cerca de 3 mil ovos. Por estes e outros motivos são considerados pelos seres humanos como pragas de difícil controle.


Foto: Carrapato em anfíbio.


Existe uma infinidade de espécies de carrapatos pelo mundo. Nem todos são transmissores de doenças, mas alguns transmitem diferentes enfermidades. Por exemplo, os carrapatos do gênero Ixodes são transmissores da doença de Lyme (DL) na América do Norte. No Brasil a situação é um pouco diferente.


Aqui temos a Síndrome Baggio-Yoshinari (SBY), conhecida popularmente por Doença de Lyme Brasileira, transmitida por outras espécies de carrapato, dos gêneros Amblyomma ou Rhipicephalus, que também podem transmitir a Febre maculosa.


 

Lyme Brasileira é considerada uma enfermidade infecciosa causada por bactéria (espiroquetas) do complexo Borrelia burgdorferi e transmitida pela picada de carrapatos do grupo Ixodes ricinus. Os primeiros casos semelhantes à DL no Brasil foram descobertos, em 1992, em irmãos que após serem picados por carrapatos desenvolveram eritema migratório (lesão de crescimento circular, de bordas avermelhadas e centro mais claro, no local da picada), sintomas de gripe e artrite, que são: febre, mal estar, calafrios, fadiga, dores de cabeça e dores musculares. Sintomas menos comuns incluem náusea e vômito, dor de garganta, dor nas costas e aumento do baço. A doença tem cura desde que seja feito o tratamento correto, no entanto pode deixar sequelas.


Casos da doença no Brasil: no final de 2018, uma estudante de Biomedicina foi diagnosticada com Lyme Brasileira na cidade de Recife, Pernambuco. O diagnóstico foi tardio e a doença passou para a forma crônica (que persiste por longo período). A própria paciente, inconformada por não ter um diagnóstico, começou a buscar sobre os seus sintomas e suspeitou da doença de Lyme. Enviou amostras de sangue para o Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), referência em estudos sobre a doença no Brasil, e só assim conseguiu o diagnóstico.


No Brasil, a febre maculosa é também conhecida como tifo transmitido pelo carrapato, febre petequial ou febre maculosa brasileira. É causada pela bactéria Rickettsia rickettsii transmitidas por carrapatos. A maioria dos casos se concentra na região sudeste, com casos esparsos em outros estados brasileiros, em especial no sul do Brasil. As taxas de mortalidade giram em torno de 20 a 30%, em função das dificuldades em se fazer o diagnóstico e estabelecer a terapia apropriada, relacionadas ao pouco conhecimento sobre a doença e à sintomatologia pouco específica. Feito o diagnóstico o mais rápido possível e com o tratamento adequado o paciente pode obter a cura para a doença.


A partir da picada do carrapato infectado, a riquétsia se dissemina pelo organismo via vasos sanguíneos, atingindo pele, cérebro, pulmões, coração, fígado, baço, pâncreas e trato gastrointestinal.


Os sintomas podem ser inespecíficos (febre alta; cefaleia; dor muscular intensa; mal-estar generalizado; náuseas; vômitos e dor abdominal). Entre o terceiro e o sexto dia da doença surge o exantema maculopapular (erupção na pele), com predomínio nos membros superiores e inferiores. No paciente não tratado, os hematomas tendem à confluência, podendo evoluir para necrose, principalmente em extremidades (mãos, pés, lóbulo de orelha e nariz).


Casos de febre maculosa no Brasil: Em junho 2019, na cidade de Contagem (Minas Gerais), foi confirmada a morte de quatro pessoas, da mesma família, com febre maculosa. Outros 54 casos foram notificados e a Secretaria Municipal de Saúde já alerta para um surto da doença. Assim como em Belo Horizonte já foi emitido um alerta preventivo. Em anos anteriores, 2018 e 2017, somam-se 41 mortes pela doença.

 

Estas doenças só podem ser transmitidas aos seres humanos e outros mamíferos por meio da picada de um carrapato. Segundo o Instituto Cary (Cary Institute of Ecosystem Studies), este deve permanecer aderido a pele por mais de 3 horas para que a pessoa seja infectada, sendo suficiente apenas uma picada. Estudos mostram que moscas, mosquitos e pulgas não são transmissores dessas doenças. Também não é possível a transmissão pelo ar.


Fotos: Carrapato em pessoa.


Os carrapatos fazem uma única refeição de sangue em cada um dos estágios de vida (larva, ninfa e adulto). Eles podem nascer livres dos patógenos e adquirir quando se alimentam de animais infectados ou então a transmissão é feita da fêmea para os ovos, desta forma o carrapato estará infectado durante toda a vida e pelas próximas gerações. Os roedores (ratos, esquilos, capivaras e outros) são considerados reservatórios mais eficientes, podendo abrigar um número elevado de carrapatos sem comprometer sua saúde.


O Gambá e outros ajudantes nessa causa


O Instituto Cary (Cary Institute of Ecosystem Studies), nos Estados Unidos, realiza há mais de 20 anos pesquisas relacionadas à doença de Lyme (DL). Através desses estudos fica clara a importância de gambás (Didelphis sp.) e outros animais silvestres no controle de pragas e zoonoses.


Os gambás são considerados “armadilhas ecológicas” para os carrapatos, pois consomem milhares deles por semana e passam um número muito baixo de carrapatos que consigam infectar os seres humanos. Gambás percorrem grandes distâncias pelas florestas, e os carrapatos aproveitam para pegar uma carona. Porém, gambás gostam de se manter bem limpos. Por isso matam um a um, ingerindo alguns, que servem como fonte de proteína.


Gambá-de-orelha-preta na Mata Atlântica.

Foto: Gambá-de-orelha-preta na Mata Atlântica, no Espírito Santo.


As pesquisas conduzidas pelo Instituto Cary colocaram seis diferentes espécies de animais - rato-de-patas-brancas (Peromyscus leucopus), esquilo-tâmia (Tamias striatus), esquilo-cinzento (Sciurus carolinensis), gambá-da-virgínia (Didelphis virginiana), sabiá-norte-americano (Catharus fuscescens) e ave-cinzenta (Dumetella carolinensis) - em gaiolas, cobriram-nas de carrapatos e esperaram que eles saltassem nos animais. Vinte e quatro horas depois, por quatro dias, contaram quantos sobreviveram. Os gambás removeram 96,5% dos carrapatos, sendo que estes foram ingeridos ou apenas desmembrados. O resultado nos mostra que os gambás são os mais eficientes na eliminação dos carrapatos. Demais animais removeram 50,7% (Ratos), 82,8% (Esquilos-cinzento), 75,7% (Esquilos-tâmia), 72,4% (Sabiás), 73,3% (Aves-cinzenta).


Essas pesquisas ainda sugerem que o sistema imunológico dos gambás é bastante eficaz no combate à doença. Assim, até mesmo os carrapatos que sobrevivem a uma visita a um gambá, são menos propensos a adquirir a doença.


Acredita-se que outros mamíferos, principalmente os de médio porte, também são eficazes por eliminar as infestações de carrapatos e impedir a epidemia de doenças. O problema é que não é possível testar estes outros mamíferos em laboratório, assim como fizeram com os gambás, mas foram obtidos resultados satisfatórios por meio de outro estudo.


O estudo consistiu na observação das espécies de mamíferos carnívoros (coiotes, raposas, linces, marta-pescadoras, guaxinins e gambás) e em seguida foi realizada uma análise estatística para relacionar a porcentagem de ninfas de carrapatos infectadas, com dados sobre a quantidade de mamíferos e tamanho da área florestal. Os resultados mostraram que locais com alta diversidade de predadores, principalmente raposas, linces, gambás e guaxinins, tiveram menor prevalência de infecção em ninfas de carrapatos. Ou seja, o risco aumenta em áreas sem esses animais, que são predadores e hospedeiros mamíferos eficientes em matar carrapatos.


O ambiente: As mudanças climáticas são o maior problema e não os reservatórios e hospedeiros


As mudanças na temperatura mundial são um grande problema que potencializa a proliferação de pragas e doenças. É um efeito cascata: aumenta a temperatura, aumenta a reprodução de ratos, aumenta a proliferação de carrapatos e consequentemente aumenta a epidemia de doenças. A fragmentação de florestas e a aproximação da população nestas áreas colocam as pessoas em riscos, pois elas estão criando ambientes favoráveis para que os ratos se multipliquem.


Fotos: Roedor da fauna nativa do Brasil.


Além disso, diminuímos a capacidade do ambiente de comportar animais de médio e grande porte, que nos ajudariam no controle de animais reservatórios e hospedeiros, como os ratos. Diminuímos também a variedade de aves e outros mamíferos menos eficientes na transmissão dessas doenças, deixando o ambiente restritos aos animais menos exigentes e com um número maior de carrapatos infectados.


Para um ambiente ter uma abundante diversidade de espécies, ele precisa ser preservado e equilibrado. Estudos comprovam que essas doenças ficam restritas ao ambiente se ele estiver equilibrado: os animais predadores vão atuar no controle dos animais reservatórios e hospedeiros, além de restringir os movimentos destes, impossibilitando assim o deslocamento para outros ambientes.


Fotos: Mata Atlântica do Espírito Santo.


Existe no Brasil um estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que constatou que o desmatamento da Floresta Amazônica está diretamente relacionado a um aumento nas epidemias de diversas doenças como a malária, leishmaniose, dengue, febre amarela, dentre outras. Além disso, um outro estudo, realizado em 2011 por pesquisadores da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, observou que, no estado de São Paulo, fragmentos florestais da Mata Atlântica em melhor estado de conservação não apresentam casos de febre maculosa, transmitida pelo carrapato.


O fato é que, se preservarmos os ambientes saudáveis para os gambás e outras populações de animais, sejam eles mamíferos, carrapatos ou quaisquer outras, estaremos nos protegendo contra uma infinidade de doenças. No entanto, ao contrário disto, a maioria de nós ainda prefere uma abordagem mais simples e direta para tratar desses problemas, como, por exemplo, por meio de produtos químicos e tóxicos que neutralizem as pragas, acreditando que com estes métodos estaremos livres das doenças. O que não prevemos é que essas medidas são promessas de curto prazo, pois em poucos meses outras enfermidades surgiriam. Além de que a natureza, com toda sua beleza, pode nos proporcionar inúmeros benefícios, nos dando uma vida muito mais saudável.


Fotos: Mata Atlântica do Espírito Santo.


Até o momento, por exemplo, nos Estados Unidos os combates aos cervos e a pulverização de gramados com pesticidas que matam carrapatos não foram eficientes no combate a incidência de doenças transmitidas por carrapatos, que estão se espalhando no centro-oeste dos Estados Unidos, em partes do Canadá e em altitudes mais elevadas na Europa. Isso mostra que devemos abordar de forma diferente no combate a essas pragas e zoonoses aqui no nosso país.


Após ter acesso a esses estudos, nossa conclusão é que, para melhor nos proteger, as autoridades responsáveis pela área da saúde pública, deveriam apostar e investir mais em intervenções de proteção às espécies que nos ajudam a controlar as doenças, além de todo o ambiente, preservando os habitats para os predadores específicos.




Foto: Mudas para replantio.

 
Projeto Marsupiais

As ações do projeto visam a permanência das espécies de marsupiais nos ambientes naturais, assim eles poderão contribuir exercendo seu papel ecológico. As ações de conservação dos marsupiais realizadas pelo projeto envolvem principalmente a disseminação de informações e curiosidades sobres essas espécies e com isso é possível sensibilizar a população para a importância dos animais, como os gambás, que por vezes são muito discriminados.


Fotos: Atividades do Projeto, 1: reabilitação de gambá filhote; 2: soltura de gambá jovem.


O projeto também atua em apoio ao resgate, cuidados, reabilitação e soltura de marsupiais. Com isso, ajuda a manter as populações de gambás e cuícas em ambientes de preservação.


As pesquisas do projeto estão em seus anos iniciais, com o objetivo de preencher lacunas acerca do conhecimento sobre as espécies de marsupiais. Ainda há muito o que conhecer sobre a fauna presente nos biomas brasileiros e do mundo.


Foto: Gambá jovem após soltura.

 

O Instituto Últimos Refúgios é uma organização sem fins lucrativos na qual os participantes são voluntários e precisa de recursos para financiar as suas atividades. Se gosta de nosso trabalho e quer que ele continue, saiba como colaborar clicando na imagem abaixo ou no link: PARTICIPE.


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Fontes consultadas:

Tua saúde: Doença do carrapato. https://www.tuasaude.com/doenca-do-carrapato/

Fiocruz: Doença de Lyme no Brasil ou Borreliose brasileira. http://www.invivo.fiocruz.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=745&sid=8

The New York Times: "O pior inimigo da doença de Lyme? Pode ser raposas." Tradução.

Secretaria de Estado da Saúdo do Espírito Santo: Febre maculosa. https://www.nytimes.com/2017/08/02/science/ticks-lyme-disease-foxes-martens.html?_r=0


Guia de Vigilância Epidemiológica. Febre Maculosa Brasileira. Caderno 12. Secretaria de Vigilância em Saúde, Mato Grosso do Sul. 2010.


M. Santos; V. Haddad Jr; R. Ribeiro-Rodrigues; S. Talhari. Borreliose de Lyme. An. Bras. Dermatol. vol.85 no.6 Rio de Janeiro Nov./Dec. 2010. http://dx.doi.org/10.1590/S0365-05962010000600029.


Del Fiol FS, Junqueira FM, Rocha MCP, Toledo MI, Barberato Filho S. A febre maculosa no Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2010;


Instituto Cary (títulos traduzidos):


Os gambás são os salvadores dos humanos contra a doença de Lyme - não os atropelem. https://www.caryinstitute.org/newsroom/opossums-are-saviors-humans-against-lyme-disease-don-t-make-them-roadkill

Mudanças climáticas podem estar aumentando a abrangência da doença de Lyme. https://www.caryinstitute.org/newsroom/climate-change-could-be-increasing-footprint-lyme-disease


A verdade assustadora sobre a doença de Lyme. https://www.caryinstitute.org/newsroom/scary-truth-about-lyme-disease







F. Keesing, J. Brunner, S. Duerr, M. Killilea, K. LoGiudice, K. Schmidt, H. Vuong and R. S. Ostfeld. Hosts as ecological traps for the vector of Lyme disease. Proc. R. Soc. B published online 19 August 2009. https://doi.org/10.1098/rspb.2009.1159

(Título traduzido: Hospedeiros como armadilhas ecológicas para o vetor da doença de Lyme).


R. S. Ostfeld, T. Levi, F. Keesing, K. Oggenfuss, and C. D. Canham. “Tick-borne disease risk in a forest food web”. Ecology, vol. 99, no. 7, p. 1562 - 1573, 2018. https://doi.org/10.1002/ecy.2386

(Título traduzido: Risco de doenças transmitidas por carrapatos em uma teia alimentar florestal)

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